10 de maio de 2013

Crack, Marcha da Maconha e criminalização da pobreza

Entrevista com o Sociólogo e Vereador do PSOL Renato Cinco, feita por Eliano Félix na Câmara Municipal do Rio de Janeiro dia 08 de Maio de 2013.

Criminalização da pobreza, crack, Marcha da Maconha e muitos outros temas relacionados à saúde e aos movimentos sociais, você encontra neste bate-papo que foi realizada na noite da última quarta-feira, dia 08 de maio, no Gabinete do Vereador Renato Cinco. 

Por Eliano Felix
Colaboração: Thais Cavalcante

O Cidadão: Conte um pouco a história da Marcha da Maconha, quando ela nasceu e o qual seu objetivo.

R: Primeiramente gostaria de agradecer a oportunidade de poder falar com os moradores da Maré, através do Jornal O Cidadão e para todas as pessoas que conhecem esse material.

A Marcha da Maconha surgiu nos anos 90 nos EUA com o movimento internacional chamado Global Marijuana March. Com mais de 40 países e 300 cidades que participam do movimento anualmente. O objetivo da Marcha da Maconha é a legalização da Maconha. Entendendo que, legalizar é diferente de liberar. A nossa defesa é da legalização, que é deixar de ser crime e passa a ter regulamentos e normas para sua utilização, comercialização e produção. 

Pessoalmente, a minha principal motivação para participar do movimento é entender que na verdade não existe uma guerra as drogas. Porque uma guerra não é feita contra coisas e sim contra pessoas. E essa guerra é um pretexto para realizar a guerra aos pobres, porque se houve realmente interesse em combater as drogas o foco central da repressão deveria ser o mercado financeiro, que faz a lavagem do dinheiro do tráfico e as fronteiras. 

Mas a gente vê aqui no Brasil, por exemplo, o foco da repressão é nas favelas. E as favelas não produzem drogas, as favelas não produzem armas, as favelas não ficam com o dinheiro do tráfico. Então na realidade se a gente analisar sem preconceito, sem tabus, claramente como é que é a ação da polícia e como é a ação do judiciário, a gente rapidamente percebe que a guerra as drogas é um pretexto. Que o objetivo é a criminalização da pobreza. Temos que evitar que a população pobre do Brasil possa se mobilizar e lutar pelos seus direitos, lutar pelo fim dessa bárbara desigualdade social que temos no nosso país.


O Cidadão: Somente a Maconha entra nessa discussão?

R: A Marcha da Maconha ela é uma Marcha de defende a legalização da Maconha. Existe uma questão concreta que é o seguinte: a ONU calcula que existe mais de 200 milhões de pessoas no mundo que fazem o uso da Maconha. E isso é um número maior do que a da população brasileira. Então, no mundo inteiro, pessoas que usam a Maconha começam a lutar para não serem mais descriminalizadas, não serem mais tratadas como bandidos. 

E é muito semelhante por exemplo, com outros movimentos identitários que lutam pelos seus direitos: o movimento negro, o movimento das mulheres, o movimento dos homossexuais. Quem tem uma visão como a minha de que, a guerra as drogas é um pretexto para a guerra aos pobres, deve participar e deve apoiar a legalização da Maconha. Até porque grande parte das pessoas que são presas no Brasil por causa de drogas, são presas portanto ou usando a Maconha. 

Claro que, legalizar apenas a Maconha está longe de resolver os problemas, mas certamente teve um impacto positivo inclusive no desencarceramento de dezenas de milhares de brasileiros que, hoje estão presos. Ou porque usavam Maconha e foram acusados de tráfico ou estavam vendendo a planta. O importante é perceber o seguinte: quanto mais perigosa for a droga, mas importante é que ela esteja sobe controle e, a única maneira é quando é regulamentação. Quando o Estado proíbe a Cocaína que é uma droga pesada, não consegue acabar com ela, o que acontece? Você tem um mercado totalmente descontrolado que, por exemplo, inventou o crack. 

O crack é fruto da proibição da cocaína, porque como a cocaína é proibida e não é regulamentada, os traficantes acabaram desenvolvendo uma estratégia para vender cocaína para os mais pobres. Só que o crack é pior que a cocaína, porque além dela ele tem querosene e várias outras substâncias nocivas misturadas. Nossa esperança esperança é que a regulamentação da cocaína acabe com o crack, pois se for regulado o uso da cocaína, não será permitido a mistura de outras substâncias. Muita gente acha que a defesa da legalização é uma defesa irresponsável, uma visão de quem só quer se divertir e não está preocupado com a sociedade e com a saúde das pessoas. Na verdade é muito pelo contrário: temos o entendimento que a proibição é incapaz de resolver os problemas provocados pelas drogas, porque você deixa de controlar as drogas e ainda tem os efeitos de produção, de violência e de corrupção.

O Cidadão: Grande parte da população não é bem informada sobre diversas questões e, quando se fala em legalização das drogas, as opiniões são acaloradas e até mesmo extremas. Como esclarecer essa questão delicada?

R: Esse tema é bastante polêmico porque é um tema tabu. Durante 100 anos, a sociedade só conheceu a opinião daqueles que defendem a proibição e dos que defendem outra política de drogas ainda é pouco conhecida da população. Será que nossa sociedade aguenta mais 10, 20 anos de repetição dos últimos anos? Olha como a violência cresceu, quanto mais se reprimiu, quanto mais se tentou estabelecer a proibição, mais violência e mais corrupção tomou conta da sociedade. 

Aliás, dizem que se o Brasil se empenhasse para acabar com as drogas, elas acabariam. Na verdade basta a gente ver nos EUA, que é um país onde mais gasta recursos com a proibição das drogas. Hoje os EUA gastam 600 dólares por segundo tentando impedir o tráfico de drogas. E os EUA é hoje o país mais consumidor de drogas do mundo. O país que mais gasta com a repressão é o que mais tem o percentual da população que usou drogas ilícitas: 40% já experimentou drogas ilícitas. A proibição e toda essa repressão fez com que o país passasse a ter a maior população carcerária do mundo, mais que a China com 2 milhões e meio de presos. E mais da metade estão presos por crimes relacionados a drogas.

O Cidadão: Como levar o debate sobre a legalização da Maconha pra dentro das favelas, sendo um lugar em que nós, moradores, temos medo de discutir o tema já que este é um tema que faz o morador da favela sofrer com a criminalização da pobreza?

R: Realmente é um desafio muito grande levar esse debate pra dentro das favelas porque as pessoas que participam de movimentos sociais nas favelas tem muito medo de organizar um debate desse tipo e, passar a ser confundido por criminosos e com o próprio tráfico. Nós, do movimento pela legalização da Maconha (MLM), das instituições e das entidades que defendem a mudança da política de drogas, a gente busca muito esse espaço. Eu fico o tempo todo tentando convencer alguma Associação de Moradores a me receber, mas é uma dificuldade muito grande. E o que é lamentável, porque se a gente olhar bem, quem é que paga com liberdade e com sangue essa política? São justamente os moradores das favelas. Os mais interessados nesse debate deveriam ser os moradores das favelas. 

O usuário de classe média, a gente sabe que ele sofre no máximo um “achaque” da polícia. Ele não vai ser encarcerado, ser confundido com traficante porque estava usando drogas. Da mesma maneira um traficante de classe média, não vai pra cadeia. Ele paga bons advogados, suborna autoridades e dá um jeito nisso. Enquanto o traficante da favela que não fica com o dinheiro do tráfico, pois a maior parte do dinheiro do tráfico fica com os grandes traficantes, esses são mortos e criminalizados todos os dias. Então a gente espera conseguir cada vez mais convencer as pessoas de que é fundamental enfrentar esse medo, a gente precisa desmontar uma máquina de matar e de prender. 

A guerra as drogas é isso, é uma máquina que está virada para as nossas favelas. Por exemplo, a questão dos mandados de busca coletiva que acontece nas favelas quando ocorre as ocupações policiais e a constituição estabelece que o mandado de busca ele deve ser individualizado, deve ter endereço determinado ou objeto determinado na busca. E quando chega nas favelas, muitas vezes o Tribunal de Justiça dá pra Polícia mandados de busca para toda a favela. Por que fazem isso na favela e não fazem isso em Copacabana? Claro que nós encontraríamos drogas, armas e traficantes em bairros de classe média.

Então, é o que falei acima: o objetivo deles não é combater as drogas e sim manter um massacre sistemático sobre a população pobre para que ela não possa se erguer e transformar a nossa realidade. Eu lamento muito essa dificuldade e essa dificuldade é um dos nossos objetivos.

O Cidadão: A Maré tem hoje uma das maiores “cracolândias” do Rio. Qual é a política adequada para esses usuários de drogas? Porque a Prefeitura não trata isso como um assunto de saúde pública, e sim como caso de Polícia.

R: A Prefeitura tem utilizado o combate ao crack como pretexto para reprimir as populações de rua. Não há nenhum interesse da Prefeitura em realmente tratar essas pessoas, tanto que os recolhidos estão sendo colocados em estabelecimentos que não fornecem tratamento. 

No caso de crianças e adolescentes recolhidos já existe um relatório (entre outros feitos pelo Conselho Regional de Psciologia), os especialistas na área visitaram junto de outras organizações os abrigos e concluíram que não há tratamento, que a única medicação dada para as crianças e adolescentes nessas casas de acolhimento da Prefeitura, são medicamentos chamados “sossega leão” que, quando eles mostram algum tipo de alteração eles medicam para as crianças ficarem chapadas e não incomodarem mais. Se a Prefeitura quisesse realmente combater o problema do abuso de drogas na nossa cidade, teria que investir na ampliação da rede básica de saúde mental. 

Que são os CAPSAD (Centro de Atenção PscicoSocial e Alcool e outras Drogas), os consultórios de rua e as políticas de redução de danos. Na verdade, já existe uma série de normas no país que estabelecem quais são as iniciativas adequadas que a Prefeitura deveria adotar. Deveria existir hoje no Rio de Janeiro, 32 CAPSAD para atender os usuários problemáticos de drogas. Nós temos apenas 5 CAPSAD, isso porque 2 foram criados recentemente. A Prefeitura não faz o que deve ser feito e usa a internação compulsória como pretexto para fazer o recolhimento ilegal dos moradores de rua.

O Cidadão: Alguns países já vivem a realidade da legalização das drogas. A experiência desses países pode ser trazida para nossa realidade?

R: A gente gasta milhões investindo na Polícia pra ela enxugar o gelo reprimindo o tráfico. Com a legalização, a gente poderia economizar o dinheiro que é gasto na repressão e ainda ter mais recursos através da cobrança de impostos. E esses recursos novos, esses recursos economizados poderiam ser investidos no que funciona: o investimento da saúde pública, da informação. As pessoas precisam conhecer as drogas, saber quais são os perigos da utilização de qualquer uma delas e precisa ter acesso ao tratamento quando houver necessidade.

O Cidadão: Com a descriminalização da legalização, não existiria a possibilidade de uma dependência, um uso mais constante?

R: Como a proibição não funciona, hoje qualquer um tem acesso a droga quando quiser. É o mercado descontrolado, por exemplo, se meu filho de 15 anos chega em casa bêbado e eu pergunto que vendeu bebida, ligar pra polícia ou ir no bar mesmo tirar satisfação e reclamar. Mas se ele chega em casa “pancadão” de cocaína, vou ligar pra polícia e denunciar ou ir na boca de fumo tirar satisfação? 

A sociedade se engana achando que a proibição afasta as pessoas das drogas. A proibição não funciona. Nem nos presídios de países do primeiro mundo é possível impedir o tráfico de drogas, quanto mais nas ruas, nas cidades. Falo dos presídios da Dinamarca, Noruega, Finlândia. É impossível controlar. Gostaria de afirmar com muita convicção de que a mudança dessa política vai aumentar o consumo, porque já é fácil. E vemos o efeito contrário, através da regulamentação a gente criar dificuldades para crianças e adolescentes terem acesso as drogas.

O Cidadão: Existe um canal para quem quer conhecer melhor o MLM?
Existem muitos canais, nosso site é www.marchadamaconha.org e temos esse www.legalizacaodamaconha.org . Pesquisem sobre o Congresso que aconteceu dias 3, 4 e 5 de Maio em Brasília, com a presença de especialistas, professores doutores de vários locais do Brasil e o Mundo. Nesse Congresso a Comunidade Científica se manifestou pela legalização e regulamentação das drogas. Os vídeos das palestras estão disponíveis para quem quiser assisti-las: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE DROGAS 2013.

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